Márcia esclarece que, apesar dos problemas estruturais, o Haiti — país mais pobre das Américas, que já vivia um colapso econômico e social antes de ser devastado pelo terremoto de grande magnitude (7 pontos na escala Richter), em janeiro 2010 — tem, em sua estrutura governamental, uma instância oficial responsável pela mobilização comunitária e ação popular em questões de saúde. "A ideia é estruturar o núcleo que já existe dentro do ministério da Saúde de lá, por meio da aquisição de equipamentos e da capacitação profissional".
Nesse sentido, o seminário, que durou três dias, foi pautado pelo estímulo ao diálogo entre jornalistas e profissionais do Ministério da Saúde haitiano, buscando-se estabelecer uma interlocução duradoura entre imprensa local e autoridades sanitárias. "Queremos que o vínculo se mantenha mesmo depois que o Canal Saúde não estiver mais lá', registra Márcia, acrescentando que o cronograma de atividades no país se estende até 2013.
Durante o evento, o coordenador de comunicação social da Organização Pan Americana da Saúde (Opas), Ary Silva, apresentou ferramentas, como podcasts, e bancos de imagens disponíveis na internet, oferecidas pela instituição, que podem ser livremente utilizados por emissoras de rádio, TV e jornais no país. O jornalista Rogério Lannes, coordenador do Programa RADIS, da Ensp/Fiocruz, que completa 30 anos em 2012, relatou a trajetória da revista Radis e das publicações que a antecederam, ressaltando a importância de se exercer um jornalismo crítico e independente.
Luiza Silva, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) apresentou o site da cooperação Brasil-Cuba-Haiti (www.cooptripartite.icict.fiocruz.br), destacando o sistema de monitoramento, aplicativo que vasculha permanentemente, em quatro idiomas, notícias, fontes oficiais e produção científica sobre o país, e possibilita o tratamento analítico das informações coletadas.
Levantamento
Estavam presentes 36 jornalistas de 29 veículos das mídias comercial e estatal e de organizações não governamentais. Um dos pontos altos da programação foi a apresentação da radialista haitiana Rose Souvenir, que até início dos anos 2000 comandava os programas Radio Docteur e Tele Docteur, na rádio e TV nacionais do Haiti, e tornou-se uma celebridade. Conhecida como Fanny, a radialista hoje radicada nos Estados Unidos buscou mostrar aos seus colegas de profissão que a temática da saúde pode ter grande receptividade na mídia.
"Observamos que era preciso sensibilizar os jornalistas para pautar a questão de saúde", apontou Márcia, que apresentou resultados de um levantamento feito pelo Canal Saúde, demonstrando a ausência do tema saúde na imprensa de lá. Apenas 1,8% de um total de 7 mil textos dos dois principais jornais impressos do país tratavam de saúde, mesmo que fatos importantes como epidemia de cólera, greve no principal hospital da capital e uma campanha de vacinação tenham ocorrido no período estudado, entre julho e dezembro de 2011. "Os jornais impressos cobrem sobretudo política, e muitas vezes é difícil obter das autoridades do país dados acessíveis e organizados sobre saúde", observa.
Alcance da mídia
No Haiti, os jornais impressos não atingem parcela expressiva da população, uma vez que 64% dos haitianos não sabem ler e falam somente a língua materna, o créole haitiano, enquanto que os jornais são escritos em francês, idioma aprendido apenas nas escolas. A televisão também não é um veículo massivo, por conta da escassez de energia elétrica. Nesse cenário, uma das propostas do Canal Saúde foi a compra de unidades móveis de transmissão, para exibições públicas de vídeos educativos.
A geografia muito montanhosa do país e a carência de equipamentos e recursos para a articulação em rede da comunicação impedem que a principal rádio haitiana tenha alcance nacional e tornam as rádios comunitárias os veículos mais eficazes para atingir a população. "É uma comunicação fragmentada. Quando o governo quer fazer circular uma campanha, por exemplo, precisa se utilizar dessas rádios", relatou Márcia. Diante desse cenário, está prevista para julho a realização de oficinas de rádio organizadas pelo Canal Saúde no Haiti.
O Haiti não conta com um sistema de saúde universal nem integral, e o atendimento da população de 9 milhões de cidadãos só é gratuito em programas específicos como de aids, tuberculose e cólera, que dispõem de financiamento de organizações internacionais, ou em hospitais sustentados por ajuda humanitária. "A cooperação brasileira, feita em bases interministeriais, procura quebrar o ciclo de dependência", diz Márcia.
Fonte: Revista Radis - Comunicação e Saúde, nº 118, Programa Radis, Ensp/Fiocruz. Autor: Elisa Batalha