Apoiado pelo Governo Federal, em parceira com a Presidência/Fiocruz e a Fiotec, o projeto "Crack – vulnerabilidades” monitora o impacto da droga no Brasil, para, assim, propor ações de combate e auxílio ao usuário. Iniciadas em janeiro de 2011, as atividades são desenvolvidas em todo o país e envolvem cerca de 400 pessoas. Nesta entrevista, o pesquisador do projeto, Francisco Inácio P. Monteiro Bastos, que também é membro do Conselho Curador da Fiotec, contou suas expectativas em relação aos resultados.
Segundo ele, por se tratar de um problema social, o projeto é muito complexo. “Ninguém com o mínimo de sensibilidade e comprometimento com a saúde pública e com o bem-estar do próximo assiste indiferente a situações de inegável gravidade que afetam milhares de pessoas, na maioria, jovens”, afirmou Bastos.
Fiotec: Como o projeto vai atuar? Haverá alguma ação direta com os usuários?
Bastos: As dimensões e fluxos de informações do projeto podem ser comparadas a uma empresa de médio porte com abrangência nacional e envolve centenas de pessoas (hoje, são aproximadamente 400) atuando no campo, no país inteiro. Nossa atuação se concentrará em três questões: quantos são os usuários; onde eles estão e para onde vão; e quem são eles. Neste terceiro ponto, nós teremos sim relação direta com eles. Entrevistando-os e examinando-os, saberemos quem são. A meu ver, dada a magnitude e extensão da questão – que é um problema social –teremos que lidar com ela por muitos anos. Talvez décadas, como ocorreu nos Estados Unidos, nos anos 80.
Fiotec: Como será feito o mapeamento dos usuários de crack? O que é e como funciona essa metodologia ‘scale-up’, utilizada no projeto?
Bastos: Sem dúvida, existem cenas de uso de grandes proporções muito visíveis. Como exemplos podemos tomar as chamadas ‘cracolândias’. No entanto, esse não é um padrão geral, tampouco frequente no país como um todo. Predominam, de fato, cenas de pequeno e médio portes, extremamente dinâmicas e de uma incrível mobilidade. Por isso, o mapeamento é uma tarefa sem fim: enquanto houver o fenômeno, ele deve ser acompanhado e mapeado.
Para evitar que procuremos por grupos de pessoas dispersos, como que tentando achar agulhas no palheiro, utilizamos este método de mapeamento scale-up, cuja ideia básica é lidar não com os usuários de drogas em si, mas com as ‘redes sociais’ da população, a partir de dados de uma amostra representativa da população geral. Dessa forma, obtém-se uma média referente à presença de pessoas usuárias de crack em dada localidade.
Fiotec: O projeto tem alguma relação com os preparativos para os grandes eventos esportivos que acontecem no Brasil em 2014 e 2016?
Bastos: O crack, ao contrário das demais drogas, não é um fenômeno que se limita às comunidades pobres e está presente em cenas abertas de tráfico e consumo nos bairros de classe média. Trata-se de um conjunto de cenas de uso da droga extremamente dinâmico, cujo mapeamento exige um esforço permanente dos pesquisadores e membros das comunidades mais afetadas. Por isso mesmo, ele constitui um fenômeno com uma visibilidade social até então desconhecida. Os grandes eventos vêm impondo às principais metrópoles brasileiras uma agenda de profundas reformulações, da qual as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) são exemplos palpáveis. Portanto, a meu ver, a ação ultrapassará a agenda de 2014-2016 embora, obviamente, a inclua.
Fiotec: Qual é a importância da Fiotec no projeto?
Bastos: A participação da Fiotec é central. O projeto é amplo (abrange o país todo) e extremamente complexo (pois lança mão de métodos de pesquisa inéditos), o que torna sua gestão um desafio para todos os envolvidos – pesquisadores, a administração da Fiocruz, e, obviamente, a Fiotec.
Fiotec: Qual a importância desse projeto para a sociedade?
Bastos: Como tudo na vida, quando nos deparamos com algo, precisamos saber do que se trata. Políticas públicas devem estar baseadas em fatos concretos, com base científica, e não em preconceitos ou “achismos”. Só assim é possível não apenas propor ações que façam sentido, como também monitorar seu impacto.
Fiotec: Enquanto profissional e cidadão, como você enxerga a sua participação no projeto?
Bastos: Jamais atuei em algo tão complexo e desafiador. Ninguém com o mínimo de sensibilidade e comprometimento com a saúde pública e com o bem-estar do próximo assiste indiferente a situações de inegável gravidade que afetam milhares de pessoas, na maioria, jovens. E, no fundo, é essa compaixão pelo próximo que me permite renovar minhas forças, acordar e me sentir preparado para mais um dia que saberei que será duro e desafiador, como os anteriores. É minha contribuição como profissional e cidadão. Embora eu saiba que tenhamos de deixar de lado os desejos onipotentes de mitigar todos os sofrimentos do mundo, isso não nos exime de fazer nossa parte, contribuir de alguma forma, ainda que modesta.